terça-feira, 20 de novembro de 2018

Sobre ser uma mulher negra num país racista


Eu sou uma mulher negra num país misógino e racista. Num país que a todo custo, e a todo momento, me quer morta simplesmente por eu ter nascido no corpo que nasci. Meu corpo preto incomoda as pessoas há séculos, isso tudo por que criou-se, há séculos e não com Hitler, a ideia de que corpos brancos são superiores. Por quê? Bom, os povos africanos, em sua maioria, utilizavam os saberes populares para sobreviver, os brancos acham isso burrice. Os povos africanos cultuavam vários guias espirituais, e os brancos acham que isso é coisa do demônio. Então demonizaram os povos africanos. 

Depois demonizaram todos os seus descendentes, fazendo com que todo preto no mundo fosse julgado, marginalizado e sofresse por um preconceito cruel que nos mata todos os dias. E sim, todos sofremos com o racismo. Desde a criança de um mês de idade até a senhorinha de noventa anos, por que todos os dias nos dizem que nosso cabelo é palha de aço, que nosso nariz é grande demais, que somos escuros demais. 

E isso tudo piora se você é mulher. Colocam sobre você o peso de não ser tão preta, afinal, quanto mais escura, mais feia você é. Colocam também o peso de alisar o cabelo, mesmo que você não queira, por que só com o cabelo liso você será aceita pelo seu círculo de amigos brancos. E claro, colocam sobre você, sobre mim, sobre nós, o peso de ser a mulata perfeita, com bumbum empinado e durinho, com seios fartos e barriga chapada. Cobram que sejamos fortes, mas tranquilas e calmas. Nos cobram coisas impossíveis. Principalmente por que sendo mulher e vivendo assédio todos os dias, é impossível ficar calma, e sabendo do nosso valor, sabemos que não precisamos mudar nada em nossos corpos para sermos bonitas. Somos bonitas por natureza, somos filhas de reis e rainhas.

E pode ficar pior se você não for heterossexual. Por que nos veem apenas como um dos materiais necessários para reprodução, somos apenas chocadeiras, então ter uma sexualidade que não a hétero, nos faz ser julgadas. E não deveria ser assim. Todas nós temos o direito de amar quem nós quisermos e expressar esse amor da forma que quisermos, nos lugares que quisermos. 

E claro, isso tudo piora se você for pobre. Tem que se virar pra arranjar o dinheiro pra progressiva, tem que se virar pra conseguir dinheiro pra fazer vários cursinhos, afinal, já que é feia, tem que pelo menos ser inteligente.

O medo que a mulher negra pobre não-hétero passa todos os dias é enorme. O medo de ser estuprada, assim como qualquer outra mulher. O medo de ser morta pela cor da pele, assim como todo negro. O medo de ser morta por homofóbicos, assim como toda a comunidade LGBT. E o medo de não conseguir sobreviver por que não tem dinheiro o suficiente pra pagar todas as contas e comer.

Nosso medo é constante, e a nossa luta também. É ela que vai nos fazer vencer, ir além do que todos esperam. Nossa luta e resistência vão nos colocar nos lugares mais altos, em programas de televisão, em capas de CD, em capas de revista, vão nos colocar na formatura da graduação e da pós, vão nos colocar no emprego dos nossos sonhos. Nossa luta e resistência nos colocar em posição de destaque, mesmo que não individualmente, mas coletivamente. Nossas irmãs, por causa da luta coletiva, então conseguindo mais e mais espaço. E quando uma vai, ela puxa as outras. Se todas nós nos esforçarmos pra colocar as pretas no topo, nós conseguiremos.

Então, pretas, lutem! Vamos estudar, para que pessoa nenhuma refute nossos argumentos e aceitem de uma vez por todas que tudo que nós estamos falando é real, é a nossa realidade. Vamos estudar para conseguir atingir os lugares que merecemos na sociedade: de graduadas, mestras, doutoras, pessoas conhecidas pelo conhecimento e pela sabedoria. Nós merecemos isso, então que possamos correr atrás disso. É difícil, eu sei, nem sempre dá tempo, nem sempre a gente tem dinheiro. Mas comece com o que você tem. Vá até a biblioteca pública da sua cidade e procure por livros do seu interesse, e devore-os. Comece com o pouco que você tiver, mas escolha começar hoje!

O mundo é nosso, pretas.

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