quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Sobre racismo





Essa foto foi tirada em novembro, no dia 19. Como podem ver, sou negra de pele clara. O que é um negro de pele clara? Para isso precisamos entender o processo de branqueamento no Brasil. Como vocês sabem, o nome dado aos negros de pele escura que são mistura de negro e branco, é MULATO. O que é mulato? Mulatos, originalmente, eram os filhos das escravas negras com os senhores brancos, por também serem negros, eram chamados de MULA, daí, MULATO. Isso continua até hoje, mesmo que não saibam o real significado da palavra, as pessoas ainda usam para se referir aos mestiços de pele escura.

Pois bem, os portugueses, em sua maioria, são brancos, e como colonizadores do Brasil, eles queriam que o país tivesse a cara deles. Eles escravizaram os pretos, africanos e índios (em épocas diferentes, com objetivos diferentes), para que quem viesse de fora pudesse ver que as pessoas bem sucedidas eram brancas, ou seja, um paraíso para a maioria dos europeus. Para que o país se encaixasse no padrão de beleza que eles queriam alcançar, começou então o processo de branqueamento, que vêm desde cedo, e infelizmente continua.

Pretos tinham filhos com brancos, esses filhos continuavam sendo pretos, porém eram mais claros. Ao longo das gerações, se os pretos continuassem se casando APENAS com brancos, as crianças iriam nascer cada vez mais claras, e em alguns séculos, a maioria da população brasileira seria branca. Eu sou um dos frutos desse processo. Tenho noção de que hoje em dia, as pessoas não são obrigadas a terem filhos com pessoas de outras raças para que a população seja embranquecida, meus pais me tiveram por livre e espontânea vontade, mas sim, sou parte do processo de branqueamento.

Tenho ascendência afro, indígena e branca. Eu nasci negra de pele clara, desde sempre fui dessa cor, mas quando era pequena, até os 5 anos, eu tinha a pele mais avermelhada, por causa da descendência indígena. Ao longos dos anos eu fui ficando mais amarelada, coisa normal da vida, raramente uma pessoa nasce e morre com a mesma cor. Meu irmão nasceu com a pele bem mais escura que a minha, ele é um negro de pele "média", por que ele não é dos mais escuros, e também não é dos mais claros.

Eu cresci sendo chamada de "negona", "pretinha", "nega", mas nunca tive o clique, o acender de luz que me fizesse pensar "eu sou negra". Passei 15 anos da minha vida somente usando tranças por que não podia usar meu cabelo solto, era feio, só podia ficar solto com prancha. Eu não queria pranchar, não gostava, então meu cabelo ficava preso. Minha família, as pessoas que deveriam me dizer que eu era linda, chamavam meu cabelo de "duro, ruim".

Aos 16 anos, vendo vídeos na internet, eu percebi o quão lindo meu cabelo era. Conheci o canal da Sarah Oliveira, e mesmo ela sendo branca, por ser cacheada, ela foi a pessoa que me inspirou a me aceitar da forma que sou. Cortei o cabelo, parei de alisar a franja, deixei tudo cacheado, comecei a hidratar o cabelo toda semana, a cuidar direitinho. Amava a definição dos meus cachos, era bem apegada à isso. Não entendia muito bem por que meu cabelo não ficava volumoso, mas não ligada tanto pra isso, eu estava ali, na escola, no teatro, na igreja, com meu cabelo cacheado, totalmente natural, me sentindo livre e linda.

Havia assumido apenas meu cabelo, não minha origem. Aos poucos, fui descobrindo outras blogueiras, outras influenciadoras, conheci Rayza Nicácio e a primeira coisa que eu disse quando olhei pra ela foi "ela é negra, cacheada, cheia de poder, linda e se sente bem assim". Então eu percebi que sou apenas um ou dois tons mais clara que a Rayza. Se eu a chamava de negra, se eu considerava ela uma negra empoderada, por que não me considerava negra? Procurei outras youtubers negras e conheci, finalmente, minha musa inspiradora da vida: Nátaly Néri. Em fevereiro de 2016 ela postou um vídeo falando sobre colorismo, ele apareceu no meu feed, já que eu estava vendo bastante vídeos de algumas youtubers negras que falavam de beleza. Vi o vídeo e entendi: sou negra de pele clara.

Confesso que antes de me aceitar e me posicionar como negra de pele clara, eu não via o preconceito acontecendo comigo. Eu via acontecendo com meu irmão quase todos os dias, já que ele tem a pele mais que escura que eu, mas não sabia que isso acontecia comigo TODOS OS DIAS. Quando começamos a estudar as coisas, começamos a entender mais e com isso passamos a sentir mais na pele tudo que acontece.

Desde que comecei a acompanhar a Nátaly, comecei a me encontrar cada vez mais, perceber qual era o meu papel na sociedade, e qual era a minha luta, não somente por ser negra, mas por ser uma MULHER NEGRA. Eu vou ser a que vai ganhar um salário menor, eu sou a menina que as pessoas pensam que só vou servir para sambar ou para ser empregada. Eu sou a pessoa que tem que ouvir todos os dias, da minha família, que eu vou ter que ser muito inteligente, por que não sei ser uma boa doméstica. Mas espera aí, quem disse que eu QUERO ser uma empregada doméstica? Não tenho nada contra, mas meu sonho é outro, e vou atrás dele, não do que a sociedade diz que eu vou ser.

Apesar de ter aprendido muito sobre empoderamento negro feminino em 2016, foi um ano tranquilo. Comecei sim a perceber algumas atitudes racistas vindas até mesmo da minha família, como ficarem me zoando por ter assumido o cabelo. As pessoas realmente passaram a me reconhecer como negra, não só na família, mas a sociedade em si, o que levou aos comentários idiotas. Pessoas perguntando se eu ser sambar, por que aparentemente negros só servem para isso. Quando eu dizia que estava gorda (coisa que hoje aceitei que não estou, eu sou gorda, fazer o que [peso 75kg e tenho 158 de altura]) as pessoas diziam "ah, mas é normal a sua gente ser um pouco mais gordinha", como se o fato de eu ser negra fosse algo que me fizesse engordar com mais facilidade.

Em 2017, provavelmente por realmente ter estudado o assunto, ter visto vários vídeos, palestras e lido vários textos sobre isso, eu acabei percebendo que sempre sofri com o racismo. Sempre tive que ficar usando o cabelo preto ou liso, minhas bases de pele eram todas mais claras que eu, por que eu tentava ficar "menos preta" usando-as etc. Esse ano eu percebi o racismo dentro da minha casa, percebi que a minha família inteira (tios, primos etc) são sim racistas.

Infelizmente eu ouvi pessoas da minha família chamando os pretos de macacos, ouvi pessoas me chamando de macaca, ouvi pessoas dizendo "é aquela escurinha ali" como se eu não tivesse um nome próprio. Ouvi meu irmão sendo chamado de marginal, por pessoas da família, por que ele riscou a sobrancelha, sendo que o amigo branco dele também riscou e ninguém falou nada. E o que mais cortou meu coração, eu vi meu irmão se arrumando para ir à padaria simplesmente por que se ele fosse com a roupa "normal" dele, ele seria parado pela polícia.

Essas foram as coisas desse ano, mas só Deus sabe quantas vezes, por morar em favela, eu já vi meninos brancos saírem correndo da polícia enquanto os pretos eram revistados. Já vi policiais batendo em meninos pretos diante dos meus olhos. Só Deus sabe quantos vizinhos meus, pretos, já foram mortos simplesmente por serem pretos.

Eu sei que eu não sofro o mesmo que os negros de pele escura, sei que por ter a pele mais clara, boa parte das coisas não acontece comigo, e quando acontecem, são mais "leves". Já fui chamada de macaca sim e odeio isso, mas por exemplo, nunca me disseram que eu não poderia entrar em algum lugar simplesmente por ser negra, e eu sei que isso acontecem com os negros de pele escura, e sinceramente, isso me machuca muito.

Vi a série Dear White People, uma série que fala sobre racismo nos Estados Unidos nos dias de hoje, e chorei em quase todos os episódios. Não é um série triste, é uma série bem normal até, universitários se divertindo, transando, arrumando namorados, indo à festas todas noites, e entre esses eventos, há momentos de racismo que acontecem todos os dias, muitas vezes na nossa frente, e não fazemos nada para que aquilo acabe. Samantha White, a protagonista, é negra de pele clara, ela é mais escura que eu, mas não chega a ser escura realmente. Sam tem um programa na rádio da universidade chamado "Dear White People", onde ela fala sobre racismo. Uma das primeiras coisas ridículas que acontecem, é uma festa de Black Face, que pra quem não sabe, é uma festa onde brancos pintam os rostos de preto e começam a agir como se fossem escravos ou muito pobres, afinal, TODOS os negros são pobres, não é  mesmo?

É uma série super real, e infelizmente não é apenas nos Estados Unidos que isso acontece, aqui no Brasil tudo isso é super comum, e bem triste. Eu chorei por que vi minha realidade ali, exposta, me senti parte da série, eu chorava com cada ato de racismo, chorava com a dor dos personagens, pois é assim que acontece na vida real. Só Deus sabe quantas vezes em 2017 eu chorei por causa do racismo, não apenas comigo, mas com as pessoas que eu conheço e amo. É triste, é crime, e apesar de tudo, ainda tenho a esperança de que a voz preta vai se levantar e abafar esses comentários ridículos até eles não serem mais ouvidos. Chega de racismo!



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