domingo, 12 de janeiro de 2020

Resenha: Iracema, de José de Alencar

























Título: Iracema
Autor: José de Alencar
Editora: Domínio Público
Ano de publicação desta edição: 1865
Número de páginas: 75
Onde encontrar: Skoob 
Nota: 4 / 5


Iracema é uma jovem indígena da etnia Tabajara, que vive em sua aldeia com todo o povo da sua etnia. Martin é um homem branco, que resolve explorar além do local que vive, e acaba encontrando Iracema no rio. Iracema o leva até sua casa, e lá ele fica por algum tempo.

Esse tempo juntos faz com que eles se apaixonem. O problema é que Iracema é uma menina virgem consagrada à Tupã, ou seja, a vida dela deve ser para servir à Tupã, e não para viver romances. A partir daí, é uma longa história de desobediência e castigo.

































Iracema é um livro que mostra bastante da cultura Tabajara, principalmente sobre ritos sagrados e como eles são sérios. Num dado momento do livro, Iracema e Martin usam a Jurema sagrada fora do contexto, e logo após começam os problemas de Iracema, mostrando que desobedecer ao sagrado é uma coisa muito grave. E devo alertar que: como José de Alencar é um homem branco, então os indígenas do livro são bem estereotipados, são bem aqueles indígenas "tradicionais" que vivem em aldeias e tem toda uma cultura que não interage com outras.

"Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira"

Sei que muitas pessoas indígenas não curtem muito esse livro justamente por isso. Mas devo dizer que o problema não está tanto no livro! O que acontece é que a história narrada no livro se passa em 1604, o que significa que os portugueses estavam no Brasil há "apenas" um século e haviam inúmeras aldeias e etnias que ainda não haviam sido descobertas. É natural que o indígena desse livro seja mais estereotipado, por que é como se fosse os primeiros contatos dos indígenas com o "mundo branco".

O que acontece, é que escolas e faculdades cobram a leitura de Iracema sem contextualizar, e o pior: deixam os leitores acreditaram que os indígenas de hoje são Iracema. Indígenas de hoje não são Iracema! Existem sim muitos indígenas que vivem aldeados, que prezam pela tradicionalidade, que amam sua cultura e que renegam a cultura trazida pelos brancos. Mas hoje também existem diversos indígenas vivendo nas cidades, que são de diversas religiões (inclusive religiões afro-brasileiras), que se vestem com as mais variadas roupas, que usam e abusam da tecnologia. Então não leia achando que isso é um retrato dos indígenas. Iracema é um retrato histórico e estereotipado dos indígenas de 1600, e não representa a História indígena, e sim uma pequena parte dela, pela visão de um homem branco.

O livro fala bastante sobre miscigenação. E devo dizer que não é algo explícito, é algo que fica nas entrelinhas, mas quem entende o que foi o fenômeno da miscigenação aqui no Brasil entende todo o peso que isso tem. Contextualizando, a miscigenação aqui no Brasil foi algo apoiado e incentivado pelo governo, pra que, ao longo dos séculos, o Brasil fosse um país de pessoas brancas somente. Ou seja, indígenas e africanas foram (e continuam sendo) estupradas por brancos para que daqui 400 anos, seus descendentes sejam brancos também. E é esse o peso que tem esse livro, o peso da desumanização dos povos indígenas

Eu amei o fato de a espiritualidade ser levada bem à sério no livro, apesar de ter a consciência de que também tem uma leve forçação de barra nisso. Mas eu amo ritualistas diferentes, e ler um livro que fala sobre como nossas crenças afetam a nossa vida, e a vida de quem se envolve com a gente, é algo quase que mágico.

"Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba; verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros."

Recomendo sim a leitura do livro, mas recomendo que você leia com a consciência de que Iracema NÃO É um retrato dos indígenas brasileiros. É um retrato estereotipado de uma etnia, o que significa que claramente tem costumes, linguagem e modo de viver diferente de outras etnias. E agora uma dica da tia: não chame mulheres indígenas de Iracema, pode soar ofensivo, como se todas fossem iguais. Vamos ler mais livros sobre indígenas sim! Mas que leiamos ainda mais livros escritos por indígenas.





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