segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Resenha: Holocausto Brasileiro de Daniela Arbex






























Título: Holocausto Brasileiro
Autor: Daniela Arbex
Editora: Geração Editorial
Ano de publicação no Brasil: 2013
Número de páginas: 256 páginas
Onde encontrar: Skoob
Nota: 5 / 5


Holocausto Brasileiro é um livro de não-ficção, jornalístico, sendo um compilado de fatos, entrevistas e fotos do que aconteceu no Colônia, hospício que ficava em Barbacena, Minas Gerais. A autora começa dando o contexto histórico da época. O hospital foi fundado em 1903, que possuía um cemitério próprio, o Cemitério da Paz, onde os internos eram enterrados.

Tinha 16 pavilhões, todos eles com nomes de grandes personalidades, como Afonso Pena e Zoroastro Passos. Cada pavilhão continha um tipo específico de pessoas: alguns eram destinados às mulheres, outros aos indigentes, outros ao que pagavam a pelo tratamento. Bom ressaltar que poucas pessoas pagavam a internação ali, o Estado pagava para a grande maioria.

A maioria dos internos eram negros e/ou pobres, a maioria era tratada como lixo, ou até mesmo pior. O fato de a maioria dos internos serem negros me faz pensar em algo que li recentemente. Uma moça do candomblé foi internada há algumas décadas por que dizia ouvir a voz de Oyá. Quantas pessoas espiritualistas não foram internadas como se fossem loucos? E quantas pessoas de religião de matriz africana não foi internada com a desculpa de que ouviam vozes de demônios?

Além disso, várias mulheres foram internadas ali por que desobedeceram o marido, ou por que eram prometidas em casamento e não aceitavam. Ou seja, a mulher, por querer decidir o melhor caminho para sua vida, era tida como louca, e era jogava no Colônia.

"Ou ainda Antônio Gomes da Silva, sem diagnóstico, que ficou vinte e um dos trinta e quatro anos de internação mudo porque ninguém se lembrou de perguntar se ele falava" _ Página 13.

O livro é composto de relatos dos sobreviventes e pesquisas da autora. Não falarei aqui de nenhuma história de vida específica, mas irei falar de coisas que as pessoas viveram lá dentro. Primeiramente, todos perdiam seus nomes e passavam a ser reconhecidos como números, muitas vezes nem isso. Como tinham muitos internos, não cabiam camas no local, então as pessoas dormiam em um monte de palha jogada no chão.

Muitos não tomavam banho, eles bebiam água do esgoto à céu aberto que havia no hospital, viviam em meio à sujeira, e obviamente isso tudo trazia muitos animais e muitas doenças. Muitos acabavam sendo comido pelos animais, durante a noite, enquanto tentavam dormir e ter algum momento de paz naquele inferno.

Mulheres que entravam no hospital grávidas, ou que engravidavam ali, tinham seus bebês tomados ao nascer. Muitas delas eram obrigadas a abortar, e para evitar isso, começaram a passar fezes na barriga, pois isso afastava os funcionários. Muitos internos eram tidos como escravos, realizavam trabalhos braçais a troco de nada, e o pior disso, é que os trabalhos eram feitos para a prefeitura. Ou seja, a todo momento o governo sabia do que acontecia ali, e concordava.

"A psiquiatria biológica não pode continuar centrada num biologicismo redutivista e prioritariamente medicalizador" _ Página 230.

As coisas já mudaram quando um fotógrafo entrou lá dentro, fotografou toda a miséria e tristeza do lugar, e expôs tudo. Isso atraiu os olhos da mídia, inclusive da mídia estrangeira, e por causa disso tiveram que modificar toda a estrutura social do "hospital". Foi um caso importante para a reforma psiquiátrica no Brasil. Mais de 60 mil pessoas morreram no Colônia.


Fonte da foto: Gazeta do Povo






























O livro trás as histórias dos poucos que sobreviveram ao Colônia. Boa parte deles estão em outros institutos. No livro conta que alguns institutos psiquiátricos de internação cede ao interno uma casa (que ele pode ou não dividir com outros internos) e eles é que devem tomar conta da casa. Isso trás mais conforto, e a sensação de que eles estão em casa, e não em um inferno. Eles também tem maior liberdade para decidir o que irão fazer, e isso faz com que o tratamento seja mais eficaz.

Alguns se conheceram lá dentro e se casaram, e hoje vivem bem em suas casas, com a família que construíram. Outros voltaram para suas famílias. No livro também há relatos de alguns funcionários, sobre como o hospital funcionava, e são relatos horríveis. Enfermeiras que eram obrigadas a aplicar eletrochoques fortíssimos em pessoas perfeitamente saudáveis, por exemplo, sendo que muitas dessas pessoas morriam ao receber o choque.

"- Como ele não absorvia mais a demanda, nós o desativamos. O cemitério foi criado praticamente junto com o hospital, por isso, a leitura que faço é que os doidos, assim como os negros, não eram enterrados junto com os normais - acredita Toledo, ao se referir à discriminação importa àquela população" _ Página 66.

O livro é bem forte, mesmo sendo narrado em terceira pessoa, passa bem o horror que as pessoas viviam naquele lugar. Eu chorei em diversos momentos, li o livro bem lentamente por que era tudo muito forte pra mim. Recomendo muito a leitura do livro, mas não para pessoas sensíveis que podem sentir gatilho em algo que falei aqui na resenha.

"Alegando estar faminta, ela pegou uma pomba no pátio, estraçalhou e comeu na frente de todos, dizendo que era seu único alimento. A cena chocante foi vista por centenas de pessoas, inclusive pelos atendentes, mas ninguém conseguiu enxergar o óbvio: em que a jovem paciente havia se transformado em uma década de internação. Tratada como bicho, ela comportava-se como um." _ Página 125.

O livro fala muito da importância do cuidado. O tratamento errado pode transformar a pessoa na pior coisa já vista no mundo, mas o tratamento com amor e cuidado transforma a vida da pessoa de uma forma tão única, boa, que não pode ser descrita de outra maneira que não algo divino.

Hoje, parte do Colônia foi transformado em museu, onde conta a história do hospital, fala dos horrores que aconteceram ali, e aponta para a importância da reforma psiquiátrica e como isso mudou muito os hospícios de todo o país. Claro que ainda existem hospitais psiquiátricos horríveis, que usam técnicas desumanas, principalmente em cidades pequenas, mas saber que atualmente isso é punível de formas mais severas, já é um avanço.

Recomendo que todos leiam o livro. Se alguma coisa citada aqui é um gatilho pra você, não leia em momento de fragilidade. Compre o livro e espere ficar bem, e então comece a leitura. É um retrato histórico do nosso país, e com certeza eu saí da leitura sabendo muito mais da História de Minas Gerais, estado em que vivo e amo. A história de um lugar não é somente as coisas boas, mas também as coisas ruins que aconteceram. Sabendo a história, a gente não repete, não sofre tanto e não causa sofrimento. Que nós, enquanto seres humanos, possamo continuar lutando todos os dias para que as pessoas sejam saudáveis, mentalmente e fisicamente, de uma forma humanizada. Pessoas que gostam de História e jornalismo, é um livro necessário.

Nenhum comentário:

Postar um comentário