quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Resenha: A Cor Púrpura, de Alice Walker



Título: A Cor Púrpura
Autor: Alice Walker
Editora: Círculo do Livro
Ano de publicação desta edição: 1982
Número de páginas: 240
Onde encontrar: Skoob
Nota: 5 / 5


A Cor Púrpura é um romance epistolar, ou seja, uma história longa contada através de cartas. Celie é que narra essa história, direcionando as cartas à Deus. Ela teve uma infância difícil, seu pai era um homem terrível, e a estuprou várias vezes. Em duas dessas vezes ela ficou grávida, e nas duas vezes ele tirou as crianças dela e nunca disse o que fez. Um homem queria se casar com a irmã mais nova de Celie, e ela se ofereceu no lugar da irmã, e já que o pretendente apenas queria uma esposa por que a antiga havia morrido, e ele precisava de alguém pra cuidar as crianças, não importava quem seria.

"- Já passei pelo meu azar, - diz ela. - O bastante para ficar a rir o resto da vida." _ Página 162.

Ela vai então para a casa do novo marido, precisa cuidar dos filhos dele, cuidar da casa, e ainda precisa trabalhar na lavoura, caso contrário o homem bate nela. Celie até chama o marido de Sinhô, pois ela é mais uma escrava do que esposa, e na maioria das vezes que o chamam pelo nome, Albert, ela não se toca de que estão falando dele.

O inferno continua até que Shug aparece. Ela é uma cantora, tida como musa por uns e prostituta por outros. Ela é a "verdadeira paixão" de Albert. Ela se hospeda na casa dele por um tempo, pois está doente, e nesse período, ela e Celie ficam bem amigas, e o Sinhô vai parando de bater em sua esposa.

Shug ensina Celie o que é ser mulher. Celie sabe o que é ser escrava, mas não sabe o que é ser mulher, já que nunca foi vista assim por ninguém. Seu pai a via simplesmente como alguém que ele tem tanto poder sobre, que pode estuprar sempre que quiser. Seu marido a vida como escrava da casa. Shug a vê como uma mulher, e vai falando pra ela as maravilhas de ser uma mulher realmente livre. Não se trata de liberdade da escravidão aqui, mas da liberdade de ser quem ela realmente é, de pertencer à ela somente. Apesar de que Celie não entende muito bem isso, e vai se entregando à Shug.

"- Escuta, - diz ela, - mesmo aí na tua passarinha há um grelo que fica a ferver quando fazes aquilo que sabes com alguém. Fica cada vez mais quente e depois se derrete. Essa é a parte boa. Mas também há outras. Muito trabalho de mãos e de língua." _ Página 74.

O leitor acompanha a vida de Celie do início da adolescência até o início da velhice. Todos os desafios pelos quais ela precisa passar, e principalmente da mudança interna. No início do livro, Celie aceita tudo que fazem com ela, não grita, não reclama, e aceita a condição em que está. Os traumas a deixaram tão submissa, que ela nem sequer se lembra que é humana em muitas das vezes.




Eu devo dizer que esse livro foi uma das melhores leituras que já fiz na vida. Fala sobre opressão, machismo, sobre o que é ser mulher, sobre liberdade, sobre família, sobre sexualidade, sobre religião, sobre tudo que nos prende em caixinhas que não nos suportam.

Eu gostei muito da Shug, é com certeza minha personagem favorita desse livro. Mesmo numa sociedade extremamente machista, onde muitos a enxergam como puta, ela faz o que quer, dorme onde quer e com quem quer, canta e dança onde quiser. É realmente uma mulher livre. Por que uma coisa que o povo negro precisa entender é que ser livre é muito mais do que apenas não ser escravo, é conseguir fazer o que quiser sem ser morto por isso. Claro, mantendo o respeito aos outros e à vida.

O livro fala muito de como os negros, principalmente os retintos, são animalizados à todo custo, e como eles são vistos, perante os negros de pele clara, como pessoas "menos boas". Isso tudo por que os brancos conseguiram fazer com que os negros odiassem à si mesmos e aos outros negros.

"As gravuras que ilustram as palavras. Toda aquela gente é branca e então pensamos que toda a gente de que a Bíblia fala era branca também. Mas naquela época as pessoas brancas viviam noutros lados. É por isso que a Bíblia diz que Jesus Cristo tinha o cabelo como a lã de um cordeiro. A lã dos cordeiros não é lisa, Celie. Nem sequer só ondulada." _ Página 119.

Acompanhar Celie evoluindo como pessoa, mesmo que bem devagar, e demorando bastante pra isso começar a acontecer, é emocionante. Claro que tem tropeços e momentos em que parece que ela está estagnada, mas parte do processo de evoluir é também parar um pouco pra entender onde você está, pra onde deve ir e o que deve fazer.

É um livro que recomendo à todos, de olhos fechados, por que é muito emocionante, dramático, eu fiquei com raiva de 100% dos personagens masculinos nesse livro, por que o machismo com a mulher negra nunca vem só, sempre vem acompanhado do racismo, então tem muitas cenas revoltantes no livro. E tudo isso o torna ainda mais reflexivo e até educativo. Se você é uma pessoa negra, leia esse livro. Se você é uma pessoa branca, presenteie algum negro com esse livro. E claro, você ser de outra raça/etnia não te impede de ler esse livro, mas tome bastante cuidado pra não romancear demais, ou pra não começar a achar que a vida é uma grande merda.

"- Com as calças tiradas, - digo, - todos os homens para mim parecem rãs. Não interessa como é que eles nos beijam, quanto a mim, continuam a parecer rãs." _ Página 211.

Eu vivo uma realidade diferente da que é narrada no livro. Nunca fui estuprada, não me casei cedo, não tenho filhos, nunca trabalhei na lavoura. Mas as coisas que machucavam a Celie, os episódios de machismo, de ser vista como escrava só por que era negra, isso tudo são coisas que a maioria das mulheres negras , hoje, continuam vivendo.

Por isso, é um livro mais que recomendado, espero que leiam e que se sintam tão tocados e mexidos quanto eu me senti. É um livro bom demais pra que você perca mais um ano sem lê-lo, por isso, coloque ele nas metas desse ano, com certeza vai ser uma escolha incrível!





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