quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Resenha: Americanas, de Machado de Assis


























Título: Americanas
Autor: Machado de Assis
Editora: Domínio Público
Ano de publicação no Brasil: 1875
Número de páginas: 57
Onde encontrar: Machado de Assis (MEC) / Skoob
Nota: 4 / 5


Americanas é um livro de poesia do Machado de Assis. O tema geral das poesias é catequização indígena. Tem algumas poesias sobre negritude também, mas a maioria é focada nos indígenas. Cito a catequização como tema principal, por que nas poesias existem pessoas rezando forçadamente, fazendo aquilo apenas pra ficar vivo. Só por saber disso, já é um livro que todos deveriam ler. Só não dei nota total por que achei um livro meio lento, mas isso é por causa da minha dificuldade mesmo em ler cantos.

Todos os poemas têm uma história pra contar, o que os torna cantos. Ou seja, poemas com histórias épicas (que são aquelas que geralmente envolvem viagem, batalhas e aventuras). E como vocês devem ter reparado, é AmericanAs, ou seja, o livro é sobre mulheres. O que o torna um livro ainda mais adequado ainda para ser lido. 

Machado de Assis é negro, o que significa que ele tem um ótimo lugar de fala para escrever sobre os efeitos da escravidão negra. E devo lembrar que Machado já nasceu livre, por ter algum dos pais branco, não sei ao certo se era o pai ou a mãe. Claro que isso não era muito um critério pra separar escravos de não-escravos, mas felizmente Machado não foi escravizado. Esse livro foi escrito antes da lei áurea, o que significa que os negros ainda eram escravizados com amparo da lei.
"O morrer cada dia uma morte sem nome"
Fragmento, Os semeadores
Provavelmente ele também tinha um contato próximo com indígenas, por que já apareceram nos livros anteriores de poesia, e não tem conteúdo ofensivo, mas preciso dizer que sim, o racismo é exposto no livro. E quero ressaltar isso, por que é totalmente diferente um negro escrever sobre negritude e um branco escrever sobre negritude, e isso é nítido nas palavras utilizadas. Assim como é muito diferente um negro escrever sobre indígenas, e um indígena escrever sobre indígenas, é claro que se fosse um indígena escrevendo as palavras escolhidas seriam outras. De qualquer forma, eu fico feliz por, finalmente, ver uma pessoa não-branca escrevendo sobre indígenas.


"E nada mais se viu flutuar nos ares; Que ele, bebendo as lágrimas que chora, Na noite entrou dos imortais pesares, E ela de todo mergulhou na aurora."
Fragmento, A última jornada

Iracema é um livro com uma personagem principal indígena, mas escrito por um político branco, então é óbvio que aquela coisa do branco que vem trazer o "mundo moderno" até Iracema é cultuada no livro como se fosse algo bom. Já em Americanas, mesmo sendo católico, Machado de Assis deixa bem claro que impedir os indígenas de cultuarem o seu sagrado, é uma forma de matá-los. E talvez ele tenha consciência disso, por que com os negros isso também aconteceu no Brasil, e inclusive continua acontecendo todos os dias. Preconceito racial existe, negros e indígenas sofrem todos os dias por adorarem o seu sagrado.

"Rico era o rosto branco; armas trazia"
Fragmento, Cantiga do rosto branco.

E o fato de as protagonistas dos poemas serem mulheres também é algo muito importante. E aqui vamos deixar claro que é um homem escrevendo sobre mulheres no século XIX, mas mesmo assim tem muita delicadeza e sutileza nas palavras. O livro trás o contraste entre mulheres que sofrem a todo momento, não apenas por serem mulher, mas por serem brancas, e mulheres que são adoradas pelo mesmo motivo.

Todos nós, que somos conscientes das questões étnico-raciais aqui no Brasil sabemos que existe uma coisa de, ou rebaixar tudo que não é branco, ou pegar alguma coisa específica daquela etnia e exaltar isso pra que todo o resto do preconceito fique escondido. Como por exemplo, falar que os indígenas possuem uma conexão com a natureza maravilhosa, que isso deve ser respeitado, que devemos aprender isso com os indígenas, mas sempre negar, a qualquer momento, que a miscigenação no Brasil surgiu do estupro de mulheres indígenas. Chamar de "foi pega no laço", o que na realidade é estupro.

"Inúmeras, no mar da eternidade, As gerações humanas vão caindo; Sobre elas vai lançando o esquecimento A pesada mortalha"
Fragmento, José Bonifácio.

No livro isso aparece bastante, mulheres sofrendo muito, sendo humilhadas, tendo que adorar um Deus que muitas vezes elas nem acreditam (ou acreditam de uma outra forma), mas sendo elogiadas por serem calmas, por serem bonitas, pela bunda grande, pelo cabelo exótico, pelos lábios grossos etc. E pra mim, mulher negra, é uma coisa muito doida ver que no século XIX (dezenove), Machado de Assis já expunha esse racismo nojento, e hoje ainda temos pessoas dizendo que racismo não existe, ou que brancos sofrem racismo.

Flor da roça nascida ao pé do rio, Otávio começou — talvez mais bela Que essas belezas cultas da cidade, Tão cobertas de jóias e de sedas, Oh! não me negues teu suave aroma!"
Fragmento, A flor do Embiruçu.

Enfim, é uma leitura necessária. É pesada, e creio que pra mulher indígenas vai ser uma leitura ainda mais pesada, por causa de tudo que envolve. Mas é um livro que realmente todos devemos ler, pra sermos mais conscientes. Principalmente conscientes de que as questões que nos afetam hoje, enquanto pessoas não-brancas, são as mesmas de 150 anos atrás. É chocante ver que, apesar de termos melhorado muito, pessoas racializadas terem começado a chegar nos lugares de destaque, a maioria dos problemas existem há séculos, e continuam aqui. Leia, principalmente se você gosta de leituras com História.


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