terça-feira, 24 de julho de 2018

Encontro de benzedeiras e raizeiras

No dia oito de julho de 2018 aconteceu o segundo encontro de benzedeiras e raizeiras, promovido pelo Kaipora - Laboratório de Estudos Bioculturais, na região metropolitana de Belo Horizonte. Foi minha primeira experiência com a benzeção. Gostaria primeiramente de contextualizar um pouco a minha história com esse tipo de prática, para que todos possam entender com clareza quais foram os impactos que essa experiência específica tiveram em minha vida. 

Venho de uma família protestante extremamente religiosa. Meus pais não são religiosos, mas a mãe de meu pai, com quem passei quase todos os finais de semana da minha vida, é muito religiosa, e muitos dos meus tios também são. Então cresci sendo ensinada que tudo que viesse da umbanda ou do candomblé eram coisas ruins e sujas, nunca me foi permitido participar de algo que tivesse sua origem na África. Não cresci perpetuando os mesmos preconceitos que fui ensinada, mas confesso que até 2015 eu ainda achava que "macumba" era algo ruim, e que quem faz isso são pessoas ruins.

Quando minha prima ficou sabendo que eu iria ao encontro, a primeira coisa que disse foi "não acredito que você vai ir nessas coisas de macumba", e eu comecei a pensar e tentar entender por que ela associou a benzeção à macumba, que para ela, está associado à algo ruim. Primeiramente devemos entender que existem também benzedeiras católicas além das umbandistas e candomblecistas, e nenhuma delas deve estar associada ao mal, pois a missão da vida delas é justamente fazer o bem.

Além disso, minha avó, protestante, tem um cantinho onde ela planta apenas ervas medicinais, que ela mesma quase nem usa, apenas faz os chás para que os filhos e netos tomem. E sempre que alguém da família está doente, ela e meu avó oram para que a pessoa melhore. Vejam, não é a mesma coisa? Ervas medicinais e oração. É exatamente a mesma coisa, mas quando vem de religiões de matriz africana, é feio, é ruim. E sim, o motivo pelo qual isso acontece é o racismo, e é nítido. Aquele pensamento de o que vem dos pretos não vem de Deus.

Como desde 2015 eu estudo um pouco das religiões, as que possuem mais adeptos no Brasil pelo menos, não tenho nenhum preconceito com religiões afro-brasileiras ou com quaisquer outras, e isso nos mostra que de fato o respeito ou o desrespeito é nos ensinado e é algo social, algo construído pela sociedade. Agora entrando na experiência no encontro, gostaria de primeiramente dizer que foi algo maravilhoso, único e que todos deveriam passar por isso pelo menos uma vez na vida.

Haviam cerca de 10 benzedeiras no local. O evento começou com uma poesia linda sobre benzeção e várias pessoas se emocionaram com ele, algumas pessoas foram até a poeta e a agradeceram pelo poema. Ela escreveu o poema para a avó dela, Maria, que era benzedeira e que já faleceu.

Após esse momento, as benzedeiras começaram a contar suas histórias com a benzeção, como tudo começou, qual foi o primeiro contato delas, como elas começaram a benzer, e principalmente como a visão delas sobre benzeção foi mudando ao passar dos anos. Vou comentar aqui sobre coisas que percebi serem comuns entre as benzedeiras. Todas elas tiveram contato com a benzeção através da própria família, a maioria delas aprendeu com os avós. Uma delas disse que sua mãe não queria que ela tivesse contato com isso, dizia que era coisa do diabo, que só preto macumbeiro fazia isso. Novamente vemos aqui a rejeição ligada ao preconceito. O mais incrível é que essa mulher, hoje, ensina os dois netos a benzer, e além disso, os dois estão sendo criados dentro da umbanda, para que a conexão com as raízes e folhas usadas na benzeção tenha também a conexão com a fé.

Nos depoimentos eu pude perceber que a humildade dentro da benzeção é algo fundamental, tão fundamental quanto a . Não adianta benzer alguém sem a fé de que a pessoa sairá dali melhor do que estava quando entrou, e também não adianta de nada se a pessoa melhorar, e aquilo subir à sua cabeça. Uma senhora disse que isso aconteceu com ela uma vez, ela ficou orgulhosa demais, começou a dizer às pessoas que uma pessoa famosa na cidade tinha a procurado para ser benzida, e que por causa do orgulho dela, quase aconteceu o pior.

Cada uma contou sua história pessoal com as ervas que mais usam, como elas as usam e depois falaram sobre o que esperam para o futuro da benzeção. Todas elas, e nós do Kaipora, esperamos que a arte e tradição de benzeção seja perpetuada, sendo passada de geração em geração. É preciso escolher com sabedoria quem serão os próximos a aprender a benzer. Geralmente são filhos e netos de benzedeiras que são escolhidos para dar continuidade à tradição, e esperamos que essas pessoas sigam perpetuando essa tradição por séculos e séculos. Independentemente da religião, precisamos de pessoas que estão dispostas a gastar um tempinho de suas vidas para cuidarem de nós, para orarem por nós e clamarem por cura. Lembrando que na benzeção, as benzedeiras rezam o Pai Nosso e Ave Maria, e pedem permissão à Santa Trindade, todas elas, inclusive as umbandistas e candomblecistas.

Elas falaram sobre suco verde e água saborizada, e nesse momento todas elas deixaram bem claro que é preciso ter uma troca de energia com aquilo que estamos bebendo. É inútil fazermos coisas mais saudáveis sem saber de fato o que estamos fazendo. Sucos verdes e águas saborizadas entraram na moda há alguns anos, mas isso é uma prática super comum entre as benzedeiras. Precisamos escolher com sabedoria as ervas e folhas que vamos utilizar, e ver se a energia dessas ervas e folhas bate com a nossa. E para ficar mais fácil, elas deram a dica de que raízes são usadas para nos manter fortes nos tempos difíceis, e que coisas que brotam em cima da terra são para equilibrar nossas energias.

Tivemos também a oportunidade de fazer perguntas para as benzedeiras e raizeiras, e a que mais me interessou foi feita por uma grávida. Ela perguntou se existe algum tipo de erva, benzeção ou banho que ela pode utilizar. As benzedeiras disseram que por ter um vida dentro dela, é perigoso fazer qualquer coisa, por que pode desequilibrar as energias da mãe e do bebê. E recomendaram apenas banho de rosas brancas, por que ajuda a equilibrar a nossa energia com a energia do que está ao nosso redor, e é algo importante, já que energias contrárias podem fazer mal ao bebê.

Depois tivemos um momento de benzeção, onde as benzedeiras presente benzeram todas as pessoas que estavam participando e queriam ser benzidas. Participaram, fora as benzedeiras, cerca de 90 pessoas, um número de pessoas maior do que estávamos esperando, que era no total de 70 pessoas incluindo as benzedeiras. Quem me benzeu foi a Dona Helena, a mais velha delas, que pôde ficar benzendo por pouco tempo por que as pernas começaram a cair. O que ela me disse com certeza vai me ajudar por muito tempo, e com certeza me lembrarei dela para sempre. No mesmo carro que eu, tanto na ida quanto na volta, estava a Mãe Rita, uma pessoa cheia de luz e que eu espero encontrar mais vezes durante a minha vida.

Bom, é isso que eu gostaria de falar sobre o segundo encontro de benzedeiras e raizeiras promovido pelo Kaipora. Espero ter outras experiências ricas em conjunto com o Kaipora, e que sejam tão gostosas quanto essa. Recomendo à todos que procurem esse tipo de encontros, ou que procurem benzedeiras perto de vocês e conversem com elas. São pessoas muito sábias, e temos muito a aprender com elas.


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