domingo, 2 de agosto de 2020

Resenha: As Alegrias da Maternidade, de Buchi Emecheta
































Título: As Alegrias da Maternidade
Autor: Buchi Emecheta
Editora: Editora Dublinense
Ano de publicação desta edição: 2018
Número de páginas: 320 páginas
Onde encontrar: Skoob 
Nota: 5 / 5



Algo importante para saber desde o início: o livro se passa majoritariamente num contexto igbo.

O livro começa com Nnu Ego correndo de algo. Não se sabe exatamente o motivo, e nem do que está está correndo, mas é perceptível que é urgente. Então o livro salta para o passado, e vamos conhecer a história de vida da mãe de Nnu Ego, Ona.

Ona era uma mulher livre e que sabia o quanto a liberdade é valiosa. Não se casou, pois prometeu ao pai que estaria sempre ao lado dele. O pai de Ona era um dos líderes daquela região, e era muito respeitado, um dos motivos que tornava Ona uma mulher tão respeitada também. Ona se aproveitou da influência de seu pai, e foi se tornado cada vez mais imponente.

"... ela era atraente a ponto de causar inveja, tinha uma aparência jovem e era confortavelmente rechonchuda, com o tipo de curvas que realmente caem bem numa mulher" _ Página 169.

Porém havia um homem, Agbadi que mexia com seu coração. Entre indas e vindas do destino, eles acabaram ficando juntos, e assim nasceu Nnu Ego. Porém, algumas coisas iriam tornar o nascimento dessa criança algo difícil. Agbadi de Nnu Ego havia sido ferido, e foi nessas condições que Nnu Ego foi "feita" (se é que me entendem). Ona não era casada, e sim uma amante. Isso não era algo visto como errado, já que era costume daquele povo que os líderes tivessem muitas esposas e muitos amantes.

Porém a esposa mais velha de Agbadi não suportou ouvir os gemidos de Ona durante o sexo, acabou ficando doente e morreu pouco depois. Pelo costume, cada esposa tinha uma empregada pessoal, e sempre que a esposa morria, a empregada devia ser enterrada junto, para continuar servindo à esposa do outro lado. Só que a empregada da esposa mais velha não queria morrer, e lançou uma maldição, dizendo que ela voltaria em pouco tempo e traria dificuldades para a família.

"Enquanto andava, a dor e a raiva competiam dentro dela; às vezes a raiva parecia ser mais forte, mas a dor emocional sempre vencia" _ Página 13.

E então, alguns meses depois, ela voltou. Nnu Ego nasceu e sua mãe, Ona faleceu. Como era filha de Ona, a amante preferida de Agbadi, Nnu Ego sempre foi mimada pelo pai, e pode decidir quando queria se casar. Como os casamentos eram em sua maioria arranjados, era raro que os noivos se casassem por amor, e na maioria das vezes se conheciam apenas dias antes do casamento.

"Cabia às filhas não causar confusão e aceitar serem usadas pelas famílias até serem transferidas para seus homens" _ Página 292.




























O comum era que em até 1 ano após o casamento, a mulher já tivesse um filho. Porém isso não aconteceu com Nnu Ego, e ela sabia que estava ligada à maldição. Nnu Ego sonhava em ter filhos, em ter uma família grande, mas não conseguia, e sua desgraça começou ali. Além do sonho frustrado, tinha que aguentar comentários horríveis vindos das pessoas e até mesmo da própria família.

"Não tenho tempo para desperdiçar minha preciosa semente masculina com uma mulher estéril" _ Página 47.

A maior parte do livro se passa durante o segundo casamento de Nnu Ego. Após o sonho de ter uma grande família não ter dado certo, ela resolveu se casar com outro homem, Nnaife. Saiu de sua aldeia e foi morar na cidade com um homem que trabalhava lavando roupas para um casal de brancos ricos. Era um homem que não exigia muito, pois ele próprio não tinha muito a oferecer.

"Os homens daqui estão muito ocupados em ser empregados dos brancos para poder ser homens" _ Página 73.

O livro é incrível. Além de mostrar um panorama mais histórico dos igbos na Nigéria durante os anos 1920 até meados de 1970. A vida de Nnu Ego foi sim difícil desde o ventre da mãe dela, por causa de todas as coisas cósmicas envolvidas. Tanto pela maldição, quanto por ela ser filha de uma amante do pai e mesmo assim ser a filha preferida. É uma vida marcada também pelo idealismo de quem uma mulher só se torna mulher quando pari. E também uma vida extremamente marcada pelo racismo. 

"E não somos todos de certo modo escravos dos brancos?" _ Página 168.

No meio do seu povo, Nnu Ego era uma nobre, filha de um grande feche e neta de outro grande chefe. Porém, vivendo no centro do país, na casa de um casal branco, Nnu Ego não era ninguém, era frequentemente humilhada e passava diversas dificuldades, por que seu marido precisava continuar trabalhando. Várias vezes durante o livro Nnu Ego ressalta as dificuldades que seu povo passou e continua passando por causa dos brancos, inclusive sobre a escravidão, que segundo ela, nunca terminou. Mesmo sem escravidão oficial, a escravidão continua às escondidas, e se modernizou. Não eram mais escravos oficiais, mas trabalhavam o dobro ganhando uma miséria.

O livro também faz inúmeras reflexões sobre a relação entre as mulheres. Em diversos momentos Nnu Ego é a chefe da casa, afinal, Nnaife trabalha. Então a relação dela com outras mulheres acaba sendo necessária para conseguir sobreviver, para ter alguém com quem conversar. Nnu Ego é uma mulher bem fechada, então dá pra perceber, ao ler, a tensão que muitas vezes ela sente por ter que depender de outras mulheres para fazer certas coisas.

"Só que quanto mais eu penso no assunto, mais me dou conta de que nós, mulheres, fixamos modelos impossível para nós mesmas. Que tornamos a vida intolerável umas para as outras. Não consigo corresponder a nossos modelos, esposa mais velha. Por isso preciso criar os meus próprios" _ Página 239.

É um livro incrível, daqueles que acho que toda pessoa preta, ou que se importa com a causa da negritude deve ler em algum momento da vida. Na história de Nnu Ego, na Nigéria, nós encontramos um pouco da nossa história enquanto pretos diaspóricos, e perceber essa conexão é algo bem valioso. Obviamente também recomendo que pessoas brancas, indígenas e asiáticas leiam este livro, mas creio que será mais emocionante para pessoas pretas. É isto. Leiam esse livro, é simplesmente incrível, emocionante, e muito enriquecedor.

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