Resenha: Paraísos Selvagens de Camila Dornas

Título: Paraísos Selvagens
Autor: Camila Dornas
Ano de publicação: 2018
Número de páginas: 284
Onde encontrar: Amazon
Nota: 5/5




Paraísos Selvagens é com certeza um dos melhores livros contemporâneos. O ambiente é Brasília dos anos 70, ou seja, em meio à ditadura militar no Brasil. Olivia está cursando Medicina na UnB, Universidade de Brasília, na pior época possível. Há vários militares dentro dos prédios e alguns deles dentro das salas de aula, para ter a certeza que os professores não falarão coisas que forem de encontro à vontade dos militares no poder. O militar no poder se chama Emílio Garrastazu Médici, que foi presidente do país entre 1969 e 1974.

"Ou saímos daqui, calados como bons soldados, ou nos juntamos à ele na cadeia. _ retrucou, o maxilar cerrado e irredutível.
_Já estamos presos, Dan. Só que numa jaula maior. _ cuspi." _ Página 5

Médici ficou famoso por repreender qualquer coisa que pudesse fazer alusão ao comunismo, então foram queimadas bandeiras vermelhas, livros, revistas e discos com capas vermelhas e obviamente qualquer coisa que realmente tivesse um conteúdo comunista. Tudo isso foi proibido, e quem guardasse essas coisas em casa poderia ser preso, e possivelmente morto. Sofreu milhares de denúncias por torturas e muitos dos casos foram investigados pela Comissão Nacional da Verdade. Se você quiser saber mais sobre esse período, recomendo que procure livro específicos sobre isso, já que aqui na resenha eu não vou me aprofundar no assunto.

Em Paraísos Selvagens temos esse período como cenário e também como protagonista da história, pois é ele, esse período histórico que vai fazer com que tudo aconteça. O livro intercala o passado e o presente de Olivia e das pessoas que estiveram presentes em certos momentos de sua vida. Já no início do livro ficamos sabendo que sua irmã mais nova, Cecília, morreu, e que por algum motivo Olivia se sente culpada. Ao longo da história vamos entendendo os motivos, e principalmente o peso de toda a história de Cecília e do dia se sua morte.

Olivia, no presente, é uma jovem que não segue as regras impostas pelo governo, não faz baderna, mas tem em casa seus livros sobre comunismo, seus discos proibidos, e fica na rua após o horário permitido com certa frequência.

Ela já presenciou episódios horríveis de violência por parte dos militares, e um episódio específico ficou gravado na mente dela, de uma forma bem ruim. O trauma criado foi grande, a mente apagou algumas partes para que ela não sofresse, mas uma pessoa faz com que ela reviva tudo isso com uma intensidade assustadora.

Em meio ao caos que o país está vivendo, e principalmente sendo protagonista do seu próprio caos particular, Olivia vê em seu amigo Daniel um porto seguro. Daniel é aquele amigo que você pode contar a todo momento. Se você ligar bêbada, às 3h da manhã pedindo as chaves do carro, ele vai até onde você está e te busca, afinal, entregar as chaves do carro seria perigoso demais. Daniel é amigo amorzinho, que vai cuidar de você até quando ele mesmo estiver precisando de cuidados. Olivia sabe disso, ela vive isso, por isso ela admira e ama Daniel como amaria um irmão.

"_Algumas garotas te fazem querer comprar flores. Outras... bem, outras te fazem querer infligir a lei." _ Página 152

Um homem aparece no campus, Olivia o acha familiar, mas não consegue se lembrar de onde o conhece. Nesse mesmo dia, descobre que seu ex, Max, está novamente na cidade, e mesmo querendo ser a mulher forte que não tem medo, Max a fez sofrer demais para que ela consiga ficar tranquila. O inferno está ardendo em chamas, por todos os lugares de Brasília, e Olivia encontra em uma pessoa um pouco de esperança. Uma esperança que o sistema não a deixa manter por muito tempo, mas que é o suficiente para que ela se mantenha viva.

É um livro incrível! É um retrato perfeito da ditadura militar no Brasil. Temos que nos lembrar que existem vários pontos de vista, vários testemunhos diferentes e que um não deve anular a importância do outro. É um romance, no sentido de ser uma narrativa com começo, meio e fim, ter elementos que não necessariamente são verdade, e sim, no sentindo romântico também. Mas não se preocupem, o romance não ocupa muito espaço no livro, e mesmo aparecendo pouco, consegue ser avassalador e envolvente. Um romance que encanta o leitor, sem muita melação, sem água-com-açúcar e é bem forte, no sentido de resistência.

"Estávamos longe um do outro, nem sequer nos tocando, mas pelo modo como ele sorria, poderia muito bem estar me despindo." _ Página 97

Durante toda a leitura do livro eu me lembrei muito do livro Renato Russo O Filho da Revolução, que inclusive terá uma resenha aqui no blog na terça-feira, dia 27, que seria aniversário do Renato! Me lembrou esse livro pela riqueza de detalhes, pela riqueza de emoções e claro, pelo período histórico em que os personagens vivem.

Para quem mora em Brasília esse livro é um prato cheio, pois você pode visitar os lugares por onde os personagens passam. Não sei se todos os lugares retratados no livro são reais, mas sei que pelo menos a maioria são, então, se puder, visite esses lugares, muitos deles parecem ser mágicos de tão lindos.

A escrita da autora é incrível! Faz com que você entre de cabeça na história já nos primeiros capítulos, pois ela, de cara, já nos coloca um mistério e isso faz com que continuemos lendo o livro até ver o mistério sendo resolvido. Alguns outros mistérios, questões pessoais do passado da Olivia, que nos vão sendo revelados ao longo do livro, vão tento espaço e é impossível parar de ler. Se você é aquela pessoa que diz "só mais um capítulo", pegue esse livro durante o dia, pois com toda certeza você vai querer virar a noite lendo-o.

"_Essa sua obsessão em me bater indica uma tentativa mal sucedida de esconder o fato que não consegue manter as mãos longe de mim." _ Página 153

Esse livro me tocou de uma forma muito profunda. Primeiramente por que fala da História do nosso país de uma forma muito forte, e é impossível não se emocionar com as cenas descritas ali. É impossível não sentir nojo, e até mesmo medo, das pessoas que mataram e torturaram tanto as outras simplesmente por uma capa vermelha, ou por uma ideia diferente. Desde que não fira os direitos humanos, qual é a dificuldade de aceitar que vamos ter opiniões diferentes e que isso é bom para que possamos viver em sociedade. Alguém realmente quer um mundo onde todos pensem, falem e se vistam iguais? Isso se chama distopia, e na maioria das vezes o final não é um conto de fadas.

O livro também me tocou pelo modo como aborda o romance. Coloquei algumas citações aqui e vocês já podem ver que a escrita da autora é muito poética, o que deixa as emoções bem evidentes. Se Olivia está triste, o texto inteiro vai ser cheio de tristeza e melancolia, daquelas que rasgam o peito, e isso acontece com qualquer emoção abordada no livro: medo, amor, saudade e culpa.

A diagramação do livro em ebook está ótima! Letras com tamanho confortável e espaçamento duplo. Obviamente como o livro está em ebook, as folhas são brancas, mas se você diminuir o brilho da tela do seu dispositivo, fica tudo bem. Como eu disse, o livro ainda não foi publicado e não temos uma data de lançamento marcada. Espero com todo o meu coração que a Camila consiga publicar o livro de alguma forma, as pessoas precisam lê-lo, principalmente nos dias atuais, quando estamos revivendo 1964. A escrita da autora é muito boa e sinto que leria tudo que ela publicar, e espero poder ver Paraísos Selvagens nas prateleiras das livrarias em breve!

Espero que a edição física seja linda, bem trabalhada e bem diagramada, por que a história merece o melhor. Desde a melhor revisão até a melhor contra-capa. Parabéns à autora por ter criado uma história tão linda, completa, sem pontas soltas, e super envolvente. Espero que vocês tenham a oportunidade de ler, e que gostem do livro tanto quanto eu.