sábado, 20 de junho de 2020

Resenha: A Bruxa Não Vai Para Fogueira Neste Livro, de Amanda Lovelace




Título: A Bruxa Não Vai Para Fogueira Neste Livro
Autor: Amanda Lovelace
Editora: Editora Leya Brasil
Ano de publicação desta edição: 2018
Número de páginas: 208
Onde encontrar: Skoob
Nota: 4 / 5


A bruxa não vai para fogueira neste livro é um livro de poemas feministas. É o segundo livro de uma série chamada "As mulheres têm uma espécie de magia". Como o título do livro já diz, são poesias feministas focadas no fogo. Não necessariamente no fogo da Inquisição, apesar de sim ele ser citado em algumas poesias, mas no fogo, na ação, no fazer o que queremos por que temos força. 

Assim como o fogo, podemos começar até meio tímidas, demorar um pouco pra acender, temos inúmeras ameaças (desde chuva até falta de oxigênio), mas quando ganhamos força e sabemos para onde ir, podemos fazer uma diferença enorme no mundo de forma boa. Mulheres ganham força principalmente quando estão juntas, pois a luta juntas nos ensina mais sobre nós mesmas. Somos reflexos de mulheres do mundo, das nossas mães, tias, avós, das celebridades que escolhemos seguir no instagram. Então estar numa sociedade feminina, mesmo que seja só você e sua amiga, é algo poderoso, pois você se reconhece em algo, e a partir disso pode mudar, investir em algo, e enfim evoluir.

"alguns pais vão quebrar os dentesde suas filhas com dedos esfolados&quando o punho do seu namoradovier na sua direção ela vaioferecer a ele um sorrisocom o lábio aberto
'é igualzinho lá em casa',ela dirá."

Existem sim alguns poemas que não gostei, que falam que o batom vermelho é um grito de guerra, e ao menos 5 poemas que só funcionam pra você, se você for uma mulher branca. Também tem muita coisa de ódio aos homens, e se você acompanha o blog, sabe que eu não gosto desse pensamento. Homens de cor morrem por causa do feminismo branco que prega morte aos homens. Feminismo sem pensamento de cor/raça e classe não faz sentido, é só mais uma forma de supremacia branca. 

Ela também escreve poemas dizendo que misandria, o ódio aos homens, está indo longe demais e tirando o foco do que é feminismo. Afinal, o objetivo do feminismo é estabelecer igualdade, e não passar por cima do "outro lado". Ódio aos homens abre espaço para o racismo e para transfobia. O objetivo da luta por igualdade de gênero, especificamente falando da luta feminista como um todo, não é e nunca deve ser passar por cima dos homens. A luta é pelo respeito, para que mulheres sejam vistas como seres humanos, que tenham segurança de andar sozinha na rua, que tenham oportunidades de emprego e salário mais igualitários e que não sejam maltratadas apenas por serem mulher.

"lutar incansavelmente pelas suas irmãs& não se esquecer de oferecer a mãopara todos os empurrados tão para fora das margens do papelque estão balançando na beirinha- tem bastante espaço para todos nós."

É sempre importante ressaltar que existem lutas por igualdade de gênero que não tem ligação com o feminismo. Pelo simples fato de que o feminismo em si foi criado por mulheres brancas para mulheres brancas. Por isso, em boa parte dos países de maioria racializada, movimentos como o Mulherismo tem mais espaço. Mulherismo é um movimento criado por mulheres negras, para todas as mulheres, focando principalmente nos problemas de raça.

"fomos forçadas a passar por cimados fósforos ainda incandescentesque eles usaram para eliminarnossas ancestrais"

Também é interessante lembrar que o feminismo negro NÃO É uma vertente do feminismo clássico. É um movimento que tem outras pautas, e principalmente que coloca raça antes de gênero. Pois não importa se você for respeitada como mulher, se você ainda for chamada de macaca na rua, se você vai continuar morrendo por ser preta, se seus filhos e seu marido serão todos mortos pela polícia, se o segurança do mercado vai continuar te seguindo, se você vai continuar recebendo menos que mulheres brancas, se você vai continuar com medo de entrar na sua favela e levar tiro da polícia. Raça vem antes de gênero, e o feminismo negro é um movimento independente que entende isso, e foca nas pautas da negritude e em como elas são afetadas pelo gênero.


















Foi meu primeiro contato com a autora, e confesso que tive um preconceito inicial com ela. Motivo? Mulheres negras, indígenas e marrons foram mortas aos milhares na inquisição, e em comparação, foram poucas as brancas que morreram. Principalmente por que, mesmo tendo início em países com maioria da população branca, a Inquisição se alastrou por todo o mundo, e não foi diferente na África e na América.

Aqui no Brasil, muitas mulheres, principalmente negras e indígenas, foram mortas no tempo colonial. E foi um cenário que se repetiu em todo o continente. Então sim, eu tinha preconceito com a autora, por que num geral, mulheres brancas não foram mortas por serem bruxas. É uma herança que pessoas brancas de hoje podem ter? Sim. Muito provavelmente pessoas brancas de hoje tem um tataravó preto ou indígena. Porém isso não te torna herdeiro da bruxaria, então se for se chamar de bruxa, seja uma bruxa.

"queime todos os que tentarem queimar você.- 2° mandamento das bruxas."

Muitas mulheres brancas entendem que esse "ser bruxa" que tem ganhado espaço atualmente é figurativo. Acreditam que, como a bruxa é uma figura feminina sempre pintada de ruim e feia, nós nos afirmarmos bruxas é dizer que somos todas bonitas, MAS NÃO É! Ser bruxa á literalmente você investir suas energias fazendo feitiços em cada lunação, viver de acordo com as fases da Lua, saber a energia de cada planta e de cada pedra. E é claro que é um aprendizado, mas você só se diz bruxa quando você de fato sabe. Antes disso você é estudante ou aprendiz de bruxaria, apenas. Você é bruxa a partir do momento que pega o seu conhecimento sobre magia e coloca em prática na sua vida. Ser bruxa não é uma metáfora para nada, é um ofício.

"'vadia', cospe ele.'bruxa', zomba ele.& eu respondo:'na verdade, sou as duas.'- reividique tudo."

Quero dizer que hoje não me identifico mais com o movimento feminista. Ainda me identifico bastante com o movimento feminista negro, e creio que muita coisa ali vale super a pena ser vista. Só que também não é o suficiente pra mim. O feminismo negro não chega (e nem é objetivo chegar) nas mulheres indígenas e asiáticas marrons, e são questões importantes pra mim. E além disso, é preciso entender que existem muitas outras pessoas no mundo por quem valem a pena lutar. Eu luto pelas pessoas trans, sejam masculinas e femininas, luto por todas as mulheres racializadas e luto pelos homens racializados. O feminismo não comporta minha luta, e tudo bem com isso. Entendo a importância do movimento, principalmente nos que focam na intersecção de opressões e lutas. Ser uma mulher trans é totalmente diferente de ser uma mulher cis, por exemplo, e precisamos levar isso em conta. Não somos todas mulheres iguais.

Eu daria a nota 3,8 pro livro. Não acho que é realmente um livro nota 4, mas também acho 3,5 pouco. Resolvi arredondar pra cima então. É um livro que recomendo sim. No final, foi uma leitura que gostei de ter feito. Não culpo de forma alguma a autora por causa das coisas ligadas à raça, como o fato de que provavelmente as ancestrais delas não foram queimadas e as minhas sim. Mesmo de uma forma não perfeita, a autora levantou a questão dos incêndios que mataram mulheres, e da importância de termos fogo dentro de nós para sermos mulheres mais fortes. Sei que muitas mulheres, principalmente adolescentes e jovens, saíram dessa leitura com vontade de pesquisar mais sobre a Inquisição e que isso é muito valioso.

Recomendo a leitura desse livro, e se você for uma pessoa não-branca, eu sugiro muito que vá ler já sabendo que, como a autora é branca, tudo no livro parte do ponto de vista branco. Não tem racismo no livro, mas com certeza não contempla a história de mulheres não-brancas. Ela fala em uma ou duas poesias que para as mulheres de cor é tudo muito pior, e acho que ela citar isso já dá uma boa melhorada, no nosso coração de mulher não-branca, durante a leitura.

Amanda Lovelace com certeza foi a porta de entrada para a leitura, para diversas meninas e jovens. Creio que inspirou algumas pessoas a falarem sobre suas lutas, e à escreverem elas de maneira poética e ao mesmo tempo sincera. É uma leitura super válida, mesmo com todas as ressalvas históricas e sociais.





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