quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Resenha: O Conto da Aia de Margaret Atwood

























Título: O Conto da Aia
Autor: Margaret Atwood
Editora: Editora Rocco
Ano de publicação dessa edição no Brasil: 2017
Número de páginas: 368
Onde encontrar
Nota: 5 / 5

O Conto da Aia é uma distopia, ou seja, um livro que se passa em um futuro caótico. A sociedade é pautada em regras bíblicas (e muitas vezes coisas inventadas) de modo a sempre oprimir a maior parte da população, e dar muito poder a uma pequena parcela. As aias são mulheres usadas apenas para reprodução. Por algum motivo uma parte da população feminina foi dada como infértil, então as mulheres férteis foram obrigadas a ceder seus úteros. A aia é mandada para uma casa, onde a Esposa e o Comandante são donos de seus corpos, e onde precisam obedecer a qualquer ordem dada.

"Tudo o que é silenciado clamará para ser ouvido ainda que silenciosamente". Página 183.

A história é narrada por Offred, uma aia de trinta e poucos anos, que sabe que está nos últimos anos de sua fase fértil, e que por isso, precisa engravidar logo. A narrativa vai indo do passado ao presente, sem avisos, então é importante se manter focado no livro. Quando fala do passado, Offred fala muito da liberdade que tinha, fala de sua infância, de seu relacionamento com as outras mulheres.

Narra também o momento em que tudo começou a mudar, e como ela foi parar na casa do Comandante. Porém toda essa narrativa não segue uma linha cronológica, o que eu achei ótimo, por que o assunto sempre vai mudando, porém creio que pessoas em momentos de crise de ansiedade devem evitar essa leitura.

"Sanidade é um bem valioso; eu a guardo escondida como as pessoas antigamente escondiam dinheiro. Economizo sanidade, de maneira a vir a ter o suficiente, quando chegar a hora". Página 133.

Nesse novo rearranjo da sociedade, as mulheres são totalmente submissas, não podem sair na rua sozinhas, precisam vestir roupas que tampem todo o corpo, exceto as Esposas, todas são quase que empregadas domésticas. Existem vários rituais que precisam ser cumpridos, seja para a fecundação, nascimento ou morte.

"Não é de fugas que eles têm medo. Não iríamos muito longe. São daquelas outras fugas, aquelas que você pode abrir em si mesma, se tiver um instrumento cortante". Página 16.

Quando esse novo regime autoritário foi instalado, escolas de treinamento foram criadas. Offred é escalada para ser aia, e nessa escola aprende - e desaprende - tudo que precisa para ser uma pessoa que não irá discordar do regime e nem causar problemas. Mesmo que em muitos momentos não haja agressão física, o livro é brutalmente violento, principalmente em termos de manipulação psicológica.

"Bem aventurados os que se calam. Eu sabia que este último eles tinham inventado, sabia que estava errado, e que tinham excluído partes também, mas não havia nenhuma maneira de verificar". Página 109.




























Eu amei esse livro! Me fez sentir muitas coisas ao longo da leitura, e o sentimento de dor, agonia e tristeza foram presentes ao longo de quase toda a leitura. Como mulher, muitas vezes eu conseguia perfeitamente me ver no lugar de Offred.

Tem uma questão que deve ser discutida: mulheres negras passaram por coisas muito semelhantes, na vida real, e ninguém se comove com isso. Fora o fato de que não existem personagens negras (ou de qualquer outra cor que não branca) nessa distopia, o que dá a ideia de que todos os povos racializados foram dizimados, e só restaram pessoas brancas. Sei que isso faz um pouco de sentido partindo do ponto que o livro fala de uma ditadura com base na Bíblia, e a maioria dos cristãos (nas últimas décadas) são brancos, mas ainda sim existem cristãos de todas as cores e povos. O livro faz menção aos judeus, mas devemos lembrar que judeu não é raça, é religião. Está ligada à raça por que a maioria dos judeus são árabes (ou marrons), mas ainda assim, dizer que haviam judeus não é algo que significa que havia pessoas não-brancas. Sei que na série tem mulheres negras, e achei isso ótimo.

"O tempo não parou. Ele correu sobre mim como água, me arrastou e me apagou como água, como se eu nada mais fosse que uma mulher de areia, deixada por uma criança descuidada perto demais da água do mar". Página 271.

No início a narrativa não linear me incomodou, mas foi mais algo meu do que um defeito do livro. Eu já conhecia a sinopse da história, e sabia que o clima do livro era caótico, então tudo que eu queria quando comecei a ler era entender o que aconteceu pra chegar naquele ponto. Mas quando eu me propus a aproveitar o livro como ele é, esquecendo que eu já sabia de algumas coisas, a leitura foi incrível.

Algo que eu amei é que no tempo de antes, quando a vida corria como o normal, a conversa das mulheres, principalmente das que estavam de alguma forma ligadas ao movimento feminista, era muito boa. Liberal e sem grandes julgamentos, e dá um contraste enorme à forma como elas passaram a ser tradadas depois.

"... não quero um homem em minha vida, que utilidade eles têm, exceto pelos dez segundos que se leva para fazer metade de um bebê? Um homem é apenas a estratégia de uma mulher para fazer outras mulheres". Página 148.

A hierarquia instalada nessa na organização da sociedade é um retrocesso tão grande, e o momento político atual, principalmente no Brasil, é tão preocupante, que em vários momentos eu pensei "isso pode acontecer", e não é exagero. A forma como tudo começou no livro foi aos poucos, ninguém percebia o que estava acontecendo, e aí, se deram conta de que teriam que tentar fugir do país para salvarem suas vidas, muitos morreram buscando pela liberdade, e muitos ficaram e tiveram que servir às ordens do novo governo.

Fui me envolvendo mais e mais com a história a cada capítulo. Não foi uma leitura rápida, eu não conseguia ler muito desse livro no mesmo dia, principalmente no início, por que além do fato de que eu não estava acostumada à narrativa, o enredo é muito pesado. Não é uma distopia adolescente, contém muita violência, principalmente psicológica, e cenas de "sexo". Digo entre aspas por que o ato de copular, no livro, na maioria das vezes não é uma escolha da mulher, e sim uma "obrigação".

"Poderias até oferecer-lhes um Céu. Precisamos de Ti para isso. O Inferno podemos fazer nós mesmos". Página 233.

Recomendo muitíssimo para os que gostaram dessa resenha, e para todos que algum dia se sentira curiosos sobre esse enredo. Esse é um dos livros que eu senti necessidade de ler em formato físico, por que quero que ele esteja comigo pra sempre, e não confio tanto assim em dispositivos eletrônicos. Espero que vocês tenham gostado da resenha. Pra quem curte distopia, mas não gosta de coisa adolescente, esse livro é para você!








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